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Ausência de cobrador atrasa deslocamento em BH, dizem motoristas e passageiros
17/12/2018 08:29 em Novidades

Cobrar passagem, evitar o “pulão” na roleta, coibir o desrespeito aos assentos preferenciais, operar o elevador, monitorar as portas de desembarque, acionar o botão de pânico. Essas são atribuições cada vez mais presentes na rotina dos motoristas do transporte público de Belo Horizonte, responsáveis por conduzir com segurança dezenas de pessoas em meio aos riscos diários do trânsito.

 

O acúmulo de função, após a retirada dos trocadores, estaria atrasando as viagens na capital. A afirmação é dos próprios condutores e dos passageiros. Dados sobre o tempo gasto nos deslocamentos não foram repassados pela BHTrans, mas a Associação dos Usuários do Transporte Coletivo de BH garante aumento de até 40%.

 

O Hoje em Dia cronometrou um desses atrasos. Ao acompanhar uma viagem da linha 641 (Serra Verde/Vilarinho), na última semana, a reportagem constatou 20% a mais de tempo gasto durante o percurso. A viagem foi iniciada no bairro às 6h30 e finalizada na estação às 7h01. Durante seis minutos e meio, o motorista ficou parado recebendo o dinheiro das passagens.

Estresse

 

Transitar sem agente de bordo é permitido apenas ao sistema Move. Nos outros veículos a medida só pode ocorrer aos domingos, feriados e horário noturno, conforme prevê uma lei de 2012. Porém, os flagrantes do descumprimento da norma em período integral não param de crescer. Só neste ano foram mais de mil multas aplicadas às empresas. 

 

Para quem executa as múltiplas tarefas, o estresse é generalizado. Roberto*, de 38 anos, é motorista de ônibus há 16 e, atualmente, está à frente de uma linha que atende às regionais Leste e Noroeste. A ausência dos trocadores já ocorre há três meses. Segundo ele, além do desgaste físico e mental, o atraso nas viagens chega a quase 30 minutos. “Nunca estive tão estressado. Ainda não posso abandonar a profissão, mas estou olhando outro emprego”.

 

O condutor também conta que teme ser assaltado. “Tem dia que a gente anda com mais de R$ 600 e não tem onde esconder”. 

 

O temor da ação de criminosos é reforçado com a obrigação de operar os elevadores para deficientes físicos. “A gente sai do ônibus, vai lá fora e a gaveta de dinheiro fica lá. Qualquer um pode chegar e pegar”. 

 

A responsabilidade pelo manuseio do equipamento também preocupa Jeferson*, de 42 anos, que atua na região do Barreiro. “Não importa se é descida, subida. Se tem um cadeirante, a gente tem que descer e ajudar. E isso é um perigo, porque se tem alguma falha nos freios, pode ocorrer um acidente”.

 

Outro fator de estresse é a devolução do troco. Marcos*, de 59 anos, é motorista de duas linhas em Venda Nova. Durante o trabalho, o homem carrega uma bolsa com notas variadas e moedas. “Isso complica o nosso serviço. Nem sempre a pessoa traz o dinheiro certinho ou tem paciência de esperar”, 

Sem recarga

 

Em meio ao entrave sobre a permanência dos agentes de bordo nos coletivos, passageiros também reclamam. Uma das principais queixas é a recarga do cartão BHBus. Os créditos podem ser ativados nas estações e dentro dos ônibus. Porém, nos coletivos, o serviço era feito apenas por trocadores. 

 

“Já desisti duas vezes. Não tem como o motorista sair do lugar dele”, afirma a cuidadora de idosos Carla Regina Fonseca, de 36 anos, que também engrossa o coro sobre a demora nas viagens. Na semana passada, ela diz ter chegado por três dias atrasada ao trabalho.

 

Em uma das ocasiões, diz Carla, o problema foi a operação do elevador para deficientes na linha 310 (Estação Diamante/3º e 4º seção). “O condutor desceu para ajudar o cadeirante que costuma pegar o ônibus todos os dias, mas o equipamento deu defeito”, contou.

 

Apesar de não utilizar o serviço, a operadora de telemarketing Gerliane Esteves, de 26 anos, diz que não vê mais recargas sendo feitas nos ônibus. Para ela, o maior problema é o risco de acidentes. “Quando o motorista cobra a passagem, ele não está atento ao trânsito. Qualquer manobra pode ser fatal”, diz Gerliane.

 

Professor do Departamento de Engenharia de Transporte do Cefet, Guilherme Leiva acredita que investir na expansão do bilhete eletrônico pode amenizar a situação. “Os pontos de venda dos bilhetes eletrônicos estão concentrados na região Central e nas estações. Isso impede que alguns passageiros tenham acesso ao serviço”, afirma o especialista. 

 

De acordo com o docente, uma alternativa é a ampliação dos locais de recarga para estabelecimentos comerciais e bancas de revistas nos bairros.

Riscos

 

Para o vice-presidente da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), João Luís Pimentel, a dupla função oferece perigo.

 

“Em um cenário ideal, o motorista deveria cuidar apenas do trânsito. O cobrador o auxilia na operação e, sem ele, as chances de acidentes são maiores. Durante cinco segundos que o motorista deixa de olhar para frente, o ônibus, que pode estar lotado de passageiros, pode percorrer até 50 metros. É muito arriscado”, ponderou.

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