O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu nesta quinta-feira (6), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de aplicar multas por descumprimento da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas (Lei nº 13.703, de 08 de agosto de 2018), popularmente conhecida como tabela de fretes.
A decisão de caráter liminar (provisório) que atende a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5956, movida Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil (ATR Brasil), valerá até que plenário do Supremo julgue a validade do tabelamento.
"Determino, por consequência, que a ANTT e outros órgãos federais se abstenham de aplicar penalidades aos embarcadores, até o exame do mérito da presente Ação Direta pelo Plenário.", diz o Ministro em trecho da decisão.
Fux é o relator de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) contra a medida, ajuizadas pela Associação do Transporte Rodoviário do Brasil - ATR Brasil (ADI 5956) , que representa empresas transportadoras; pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA (ADI 5959) e pela Confederação Nacional da Indústria – CNI (5964).
Para o Ministro, as multas estabelecidas em caso de descumprimento da tabela geram "grave impacto na economia". "O quadro fático revelado aponta que a imposição de sanções derivadas do aludido tabelamento de fretes tem gerado grave impacto na economia nacional, o que se revela particularmente preocupante ante o cenário de crise econômica atravessado pelo país", afirmou na decisão.
A decisão desta quinta-feira não derruba de forma definitiva o tabelamento do frete, mas contribui de forma significativa para o descumprimento bem como para a suspensão das poucas ações de fiscalização que vinham sendo feitas pela ANTT. Já o julgamento que definirá a constitucionalidade ou não da tabela não tem data ou prazo definidos para acontecer.
Multas
As multas por descumprimento do tabelamento do frete que variavam de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) a R$ 10.500,00 (dez mil e quinhentos reais) e eram aplicáveis a anunciantes, contratantes, embarcadores e transportadores, foram estabelecidas pela ANTT em novembro passado, quando o órgão federal publicou no Diário Oficial da União (DOU) a Resolução nº 5.833.
VEJA A DECISÃO COM EXCLUSIVIDADE
TUTELA PROVISÓRIA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
5.956 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
REQTE.(S) :ASSOCIACAO DO TRANSPORTE RODOVIARIO DE
CARGA DO BRASIL
ADV.(A/S) :MOACYR FRANCISCO RAMOS
INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) :DIRETOR-GERAL DA AGÊNCIA NACIONAL DE
TRANSPORTES TERRESTRES
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL FEDERAL
AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE
TRANSPORTES E LOGÍSTICA - NTC&LOGÍSTICA
ADV.(A/S) :MARCOS AURÉLIO RIBEIRO
ADV.(A/S) :GILDETE GOMES DE MENEZES
AM. CURIAE. :CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS - CNTA
ADV.(A/S) :ALZIRO DA MOTTA SANTOS FILHO (23217/PR)
ADV.(A/S) :HELDER EDUARDO VICENTINI
DECISÃO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com
pedido de medida cautelar, ajuizada pela Associação do Transporte
Rodoviário de Carga do Brasil (ATR Brasil), tendo por objeto a Medida
Provisória 832/2018, que estabeleceu a política de preços mínimos do
transporte rodoviário de cargas. A referida Medida Provisória foi
regulamentada pela Resolução nº 5820, de 30 de maio de 2018, da Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Como parâmetro de controle,
a requerente indicou os artigos 1º, IV e parágrafo único; 3º, I; 5º; caput e II;
170, caput e IV; 173, § 4º; 174, caput, e 178, caput, da Constituição Federal.
Eis o teor dos dispositivos impugnados:
Art. 1º Fica instituída a Política de Preços Mínimos do
Transporte Rodoviário de Cargas.
Art. 2º A Política de Preços Mínimos do Transporte
Rodoviário de Cargas tem a finalidade de promover condições
razoáveis à realização de fretes no território nacional, de forma
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
a proporcionar a adequada retribuição ao serviço prestado.
Art. 3º Para fins do disposto nesta Medida Provisória,
entende-se por:
I - carga geral - a carga embarcada e transportada com
acondicionamento, com marca de identificação e com contagem
de unidades;
II - carga a granel - a carga líquida ou seca embarcada e
transportada sem acondicionamento, sem marca de
identificação e sem contagem de unidades;
III - carga frigorificada - a carga que necessita ser
refrigerada ou congelada para conservar as qualidades
essenciais do produto transportado;
IV - carga perigosa - a carga passível de provocar
acidentes, ocasionar ou potencializar riscos, danificar cargas ou
meios de transporte e gerar perigo às pessoas que a manipulem;
e
V - carga neogranel - a carga formada por conglomerados
homogêneos de mercadorias, de carga geral, sem
acondicionamento específico e cujo volume ou quantidade
possibilite o transporte em lotes, em um único embarque.
Art. 4º O transporte rodoviário de cargas, em âmbito
nacional, obedecerá aos preços fixados com base nesta Medida
Provisória.
Art. 5º Para a execução da Política de Preços Mínimos do
Transporte Rodoviário de Cargas, a Agência Nacional de
Transportes Terrestres - ANTT publicará tabela com os preços
mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de
fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das
cargas definidas no art. 3º.
§ 1º A publicação da tabela a que se refere o caput ocorrerá
até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano e a tabela será
válida para o semestre em que for editada.
§ 2º Na hipótese da tabela a que se refere o caput não ser
publicada nos prazos estabelecidos no § 1º, a tabela anterio
ADI 5956 TP / DF
que o substitua, no período acumulado.
§ 3º A ANTT publicará a primeira tabela a que se refere o
caput, a qual vigerá até 20 de janeiro de 2019, no prazo de cinco
dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória.
§ 4º Os preços fixados na tabela a que se refere o caput têm
natureza vinculativa e a sua não observância sujeitará o infrator
a indenizar o transportador em valor equivalente ao dobro do
que seria devido, descontado o valor já pago.
Art. 6º O processo de fixação dos preços mínimos contará
com a participação dos representantes das cooperativas de
transporte de cargas e dos sindicatos de empresas de
transportes e de transportadores autônomos de cargas.
Art. 7º Para a fixação dos preços mínimos, serão
considerados, prioritariamente, os custos do óleo diesel e dos
pedágios.
Art. 8º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de
sua publicação.
A Medida Provisória em apreço foi convertida na Lei n.º 13.703/2018,
que “Institui a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte
Rodoviário de Cargas” nos seguintes termos:
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Pisos Mínimos
do Transporte Rodoviário de Cargas.
Art. 2º A Política Nacional de Pisos Mínimos do
Transporte Rodoviário de Cargas tem a finalidade de promover
condições mínimas para a realização de fretes no território
nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao
serviço prestado.
Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, entende-se por:
I - carga geral: a carga embarcada e transportada com
acondicionamento, com marca de identificação e com contagem
de unidades;
3
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
II - carga a granel: a carga líquida ou seca embarcada e
transportada sem acondicionamento, sem marca de
identificação e sem contagem de unidades;
III - carga frigorificada: a carga que necessita ser
refrigerada ou congelada para conservar as qualidades
essenciais do produto transportado;
IV - carga perigosa: a carga ou produto que seja perigoso
ou represente risco para a saúde de pessoas, para a segurança
pública ou para o meio ambiente; e
V - carga neogranel: a carga formada por conglomerados
homogêneos de mercadorias, de carga geral, sem
acondicionamento específico cujo volume ou quantidade
possibilite o transporte em lotes, em um único embarque.
Art. 4º O transporte rodoviário de cargas, em âmbito
nacional, deverá ter seu frete remunerado em patamar igual ou
superior aos pisos mínimos de frete fixados com base nesta Lei.
§ 1º Os pisos mínimos de frete deverão refletir os custos
operacionais totais do transporte, definidos e divulgados nos
termos de regulamentação da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), com priorização dos custos referentes ao
óleo diesel e aos pedágios.
§ 2º É expressamente vedada a celebração de qualquer
acordo ou convenção, individual ou coletivamente, ou mesmo
por qualquer entidade ou representação de qualquer natureza,
em condições que representem a prática de fretes em valores
inferiores aos pisos mínimos estabelecidos na forma desta Lei.
Art. 5º Para a execução da Política Nacional de Pisos
Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a ANTT
4
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
publicará norma com os pisos mínimos referentes ao
quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado,
consideradas as distâncias e as especificidades das cargas
definidas no art. 3º desta Lei, bem como planilha de cál
ADI 5956 TP / DF
consideradas pertinentes pela ANTT, consideradas as
características e especificidades do transporte.
§ 6º Cabe à ANTT adotar as medidas administrativas,
coercitivas e punitivas necessárias ao fiel cumprimento do
disposto no § 4º deste artigo, nos termos de regulamento.
Art. 6º O processo de fixação dos pisos mínimos deverá
ser técnico, ter ampla publicidade e contar com a participação
dos representantes dos embarcadores, dos contratantes dos
fretes, das cooperativas de transporte de cargas, dos sindicatos
de empresas de transportes e de transportadores autônomos de
cargas.
Parágrafo único. A ANTT regulamentará a participação
das diversas partes interessadas no processo de fixação dos
pisos mínimos de que trata o caput deste artigo, garantida a
participação igualitária de transportadores autônomos e demais
setores.
Art. 7º Toda operação de transporte rodoviário de cargas
deverá ser acompanhada de documento referente ao contrato
de frete, com informações do contratante, do contratado e do
subcontratado, quando houver, e também da carga, origem e
destino, forma de pagamento do frete e indicação expressa do
valor do frete pago ao contratado e ao subcontratado e do piso
mínimo de frete aplicável.
Parágrafo único. O documento de que trata o caput deste
artigo, com o devido registro realizado perante a ANTT, na
forma de regulamento, será de porte obrigatório pelo motorista
do veículo durante o transporte.
Art. 8º Respondem subsidiariamente pelo pagamento da
indenização a que se refere o § 4º do art. 5º, os responsáveis por
anúncios de ofertas de frete em valores inferiores aos pisos
6
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
mínimos estabelecidos na forma desta Lei.
Art. 9º (VETADO).
Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
As normas constitucionais tidas por violadas dispõem, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:
(…)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
(…)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(…)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
(…)
IV - livre concorrência;
Art. 173. (…)
7
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
§ 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao
aumento arbitrário dos lucros.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade
econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante
para o setor público e indicativo para o setor privado.
Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes
aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do
transporte internacional, observar os acordos firmados pela
União, atendido o princípio da reciprocidade.
Em sede preliminar, a requerente afirmou ser entidade de classe de
âmbito nacional representante do segmento de serviços de transporte
rodoviário de commodities, reunindo empresas nacionais que têm por
objeto social a prestação desses serviços, com frota própria ou com o
concurso de motoristas autônomos. No mérito, em síntese, alegou que: (i)
a política de preços mínimos vinculantes derruba a atividade econômica
exercida pelas empresas de transporte que atuam no segmento de
granéis, as quais oportunizam o recrutamento dos serviços dos motoristas
autônomos em larga escala; (ii) o tabelamento de preço fere a economia
de mercado e abre perigoso precedente para que outros grupos de
pressão coloquem em risco a segurança do país; (iii) o paternalismo
estatal fez com que os motoristas autônomos não se preparassem para
enfrentar os custos reais da atividade; (iv) o governo não adotou medidas
alternativas para a solução do problema verificado no mercado de fretes,
como fiscalização, incentivo e planejamento da atividade econômica.
Em sede de medida cautelar, postula-se a suspensão da eficácia da
Medida Provisória 832/2018 e da pela Resolução nº 5.820, de 30 de maio
de 2018, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Foram distribuídas por prevenção a este Relator as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n.º 5.959 e 5.964, ajuizadas respectivamente pela
8
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
Confederação da Agricultura e Pecuária do B
ADI 5956 TP / DF
Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, estabelecendo pisos mínimos de
fretes rodoviários de cargas, imputando perdas ao setor produtivo, por onerar
significativamente o custo logístico na movimentação das mercadorias para
abastecimento e exportação”. Segundo essas informações, “em determinados
casos, considerando o transporte de granéis agrícolas, incluindo o frete de
retorno, foram elevados em até 145% (cento e quarenta e cinco por cento), com
reflexos nefastos para os resultados de algumas cadeias produtivas, a exemplo do
milho, que sofreu uma redução nos volumes de exportação da ordem de 34%
(trinta e quatro por cento), […] em função do preço do milho, bem inferior ao
valor pago pela soja, não absorver a descabida elevação do custo de transporte,
desencorajando operações que exijam a movimentação pelo modal rodoviário”.
O quadro fático revelado aponta que a imposição de sanções
derivadas do aludido tabelamento de fretes tem gerado grave impacto na
economia nacional, o que se revela particularmente preocupante ante o
cenário de crise econômica atravessado pelo país. Sob uma perspectiva
consequencialista, no abalizado magistério de Richard Posner, o
magistrado tem o dever de examinar as consequências imediatas e
sistêmicas que o seu pronunciamento irá produzir na realidade social
(POSNER, Richard. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Harvard
University Press, 2003, p. 60-64). Com efeito, parte-se de uma premissa de
que, ao exercer seu poder de decisão nos casos concretos com os quais se
depara, as Cortes Constitucionais alocam recursos escassos, já que “em
razão do juízo consequencialista, juízes são comprometidos com os resultados de
suas ações” (MAGALHÃES, Andréa. Jurisprudência da crise: uma perspectiva
pragmática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 190).
Inocorrente qualquer pronunciamento desta Corte sobre o mérito
das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, por razões de segurança
jurídica (art. 5º, caput e XXXVI, da Constituição), impõe-se a concessão da
cautelar para suspender a aplicação de multas, por órgãos e agências
federais, em razão do tabelamento de fretes retratado na inicial, evitandose,
assim, o perigo de dano a que alude o art. 300 do Novo Código de
10
Em elaboração
ADI 5956 TP / DF
Processo Civil.
Ex positis, DEFIRO a medida cautelar para suspender a aplicação
das medidas administrativas, coercitivas e punitivas previstas no § 6º do
artigo 5º da Lei n.º 13.703/2018, por consequência, os efeitos da Resolução
da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) nº 5.833/2018 (DOU
09/11/2018), que estabelece a aplicação de multas em caso de
inobservância da tabela vinculativa instituída pela Resolução ANTT nº
5.820/2018, bem como das indenizações respectivas. Determino, por
consequência, que a ANTT e outros órgãos federais se abstenham de
aplicar penalidades aos embarcadores, até o exame do mérito da presente
Ação Direta pelo Plenário.
Publique-se. Intimem-se com urgência.
Brasília, 06/12/2018.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Documento assinado digitalmente